sábado, abril 30, 2011

A SERVIDÃO COMO BERÇO DA LIBERDADE


“O maior e principal objetivo dos homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade.” (John Locke)

Por meio desta última experiência, da servidão, a consciência aprendeu que a busca pela coisa em si por meio de um processo atributivo havia fracassado; em contrapartida, ela havia chegado à compreensão de uma coisa para um outro, essencialmente relacional. Fica ainda mais evidente para ela a impossibilidade da apreensão daquilo imediatamente

Buscar superar o outro implica em arriscar a própria vida. Por conseguinte, a luta entre duas consciências de si é determinada do seguinte modo: elas se experimentam a elas próprias e entre si por meio de uma luta de superação. Não podem evitar essa luta, pois são forçadas a elevar ao nível da verdade sua certeza de si, sua certeza de existir para si; cada uma deve experimentar essa certeza em si mesma e na outra. Só arriscando a própria vida é que se conquista a liberdade. Só assim é que alguém se assegura de que a natureza da consciência de si não é o ser puro, não é a forma imediata de sua manifestação, não é sua imersão no oceano da vida. Essa luta prova que nada existe na consciência que não seja perecível para ela, prova que ela, portanto, não é senão puro ser para-si. O indivíduo que não arriscou sua vida pode certametne ser reconhecido como pessoa, mas não atingiu a verdade desse reconhecimento como consciência de si independente


Indivíduo ------> luta ------> Liberdade
Escravo ------> trabalho ------> liberdade


Na luta de duas consciências, Hegel examina simultaneamente a relação de dois "eu" e a relação de cada eu com sua própria vida. O "senhor", aquele que é vitorioso no combate, aceitou arriscar a vida. Por conseguinte, ele é mais do que ela, por sua coragem colocou-se acima dos objetos comuns da necessidade e da existência empírica. O vencido, aquele que se rendeu, tem medo de perder a vida. Por conseguinte, ele é, de início, escravo da vida e de seus objetos empíricos. Torna-se tembém escravo do senhor que o conserva (servus = conservado) a fim de ler em seu olhar temeroso e submisso o reflexo de sua vitória, a fim de se fazer reconhecer como consciência. Hegel quer dizer que o senhor não é senhor "em-si", mas por meio de uma mediação, isto é, uma relação. O senhor se define por sua relação com o escravo (e por sua relação com os objetos que depende, ela própria, da relação com o escravo).
No ponto de partida, o senhor domina os objetos da necessidade, posto que no campo de batalha ele se mostrou corajoso, superior à sua vida, portanto, aos objetos das necessidades. Secundariamente, o senhor domina os objetos por mediação do escravo que trabalha, isto é, que transforma os objetos materiais em objetos de consumo e de fruição para o senhor. Uma vez que o senhor (a), enquanto conceito da consciência de si, é relação imediata do ser para-si, mas (b) é simultaneamente mediação, em outras palavras, um ser para-si que só o é por meio do outro, ele se relaciona (a) imediatamente com os dois e (b) imediatamente com cada um por intermédio do outro. O senhor tem, com o escravo, uma relação mediata em virtude da existência independente, pois é precisamente a ela que o escravo está preso, ela é sua cadeia e da qual não pode se desprender na luta, o que o levou a mostrar-se dependente, posto que possuía sua independência numa coisa externa.
A servidão para Hegel é a dialética servo-patrão. O medo, a dura disciplina da obediência e da servidão constitui para Hegel que segue a longa tradição de pensamento, etapa indispensável para levar os indivíduos à liberdade, à autoconsciência, à autodeterminação, à posse de homens livres. Segundo Hegel, a servidão do medo da morte, da vileza, do fato de ter preferido conservar a própria vida ao preço da submissão a um outro é a "luta pelo reconhecimento" e encontra em Hegel justificação oposta ao esquema de sociedade do modelo jusnaturalista. A associação dos homens entre si não acontece, de fato, como, sobre uma base natural, nem ocorre segundo os módulos jusnaturalistas do contrato. Simplesmente trata-se de modelo conflitual abstrato mediante o qual se reconstrói a gênese da autoconsciência moderna e livre. A individualidade natural é burilada, universalizada, primeiramente através da servidão, depois, uma vez superado tal estágio, através da formação, que é o nível de elaboração da individualidade mais adequado à sociedade civil, àquela sociedade, que já superou o momento "selvagem" e o "bárbaro". Para que o homem possa ser livre, ter consciência de si e autodeterminar-se e esta é no fundo a universalidade da autoconsciência até a qual a consciência deve elevar-se, referir-se a si mediante si mesmo, refletir-se em si mesmo, é necessário que antes perceba a universalidade como alteridade, constrição, sentido estranho, que só gradualmente e mediante a angústia conduzirá ao sentido próprio: urge que se duplique num outro, que passe através de uma espécie de espelho. A morte é a expressão suprema desta universalidade vazia, deste abismo do nada dentro do qual a consciência deve afogar para conseguir sua duplicação e sua conexão em si própria, a identidade da identidade e da não-identidade.
A servidão é algo histórico, ou seja, ela desaparece, pertence a um estágio anterior, é relativa. Toda esta situação não deve permanecer não é uma situação absoluta: mas no interior da situação da formação da consciência, ela é necessariamente justificada. Este oposto é assim em si e por si, a saber, é a própria autoconsciência universal, a de não querer ser nem um escravo, nem um senhor, mas da mesma forma nenhum escravo, portanto, nenhum senhor. Apenas ter a liberdade.

Marcilio Reginaldo. Apodi – Rn, 28/08/2008. Filosofia da Educação.