terça-feira, junho 16, 2015


A Arte na Idade Média

Foi na Idade Média que a Arte cumpriu mais plenamente sua função de transfigurar o mundo para dar ao homem o desejo do céu com o amor do verdadeiro bem. Os estilos românico e gótico marcam o ápice da arte ocidental. Embora não se tivesse ainda o conhecimento de todas as leis da beleza - por exemplo, não se conhecia ainda a perspectiva - a arte medieval, dentro de seus limites, buscou, mais que nenhuma outra, o bem, a verdade, a beleza, reflexos de Deus no mundo. E por mais que a Idade média seja denegrida nos manuais escolares, nos slogans da imprensa, como a Idade das Trevas, é a sua luz que atrai continuamente torrentes de turistas que, embasbacados, contemplam o resplendor de seus vitrais, a poesia de seus castelos, a majestade de suas catedrais. O mundo continua a ter saudades da tão caluniada Idade Média, a "doce primavera da fé".

O estilo gótico

Em toda a história da arte, não se pode encontrar uma arte mais católica, mais religiosamente elevada, do que a arte medieval.
O estilo gótico representa o apogeu da arte. Até no século XX - século do feio e do monstruoso - apesar da propaganda a favor da Arte Moderna e apesar das calúnias contra a "Idade das Trevas", multidões vão à Europa extasiar-se diante da fachada de Notre Dame de Paris, admirar as torres que obrigam a olhar para o alto de Chartres, deslumbrar-se com a luz cantando nos vitrais das rosáceas.
Por que o gótico traz tal satisfação à alma humana?
1. Religiosidade do gótico
Em primeiro lugar porque nenhum estilo é tão religioso quanto ele. Gótico e religião são termos inseparáveis. É da essência desse estilo falar de Deus e do céu. Mesmo nos edifícios e obras profanas, o gótico põe algo de religioso que lembra Deus.
Se no âmago da beleza está o bonum, em nenhum outro estilo o bonum aparece em tão alto grau nem tão claramente. Toda beleza é uma teofania, mas a catedral gótica é a expressão artística da Teologia católica por excelência. Foi bem definido o gótico por Erwin Pafnosky, quando ele disse que o estilo gótico é "a filosofia escolástica na pedra".
2. Elevação moral
O estilo gótico, como nenhum outro, respeitou as leis da moral e procurou incentivar os homens à virtude.
No gótico, encontra-se por toda parte pudor, recato, pureza. Não se estadeia o nu, não se salientam as formas físicas. As roupagens são descentes, os gestos e atitudes são recatados. As linhas arquitetônicas são puras. A catedral é casta.
O gótico, além disso, é temperante, e mesmo, por vezes, austero. Nele não há excessos - não falamos, evidentemente, do flamejante, que foi a decadência do gótico e o começo do fim da verdadeira arte católica - nele não há exageros. Tudo é equilibrado. Nas abadias há austeridade; nos pátios dos castelos, alegria moderada. Em todas as obras - religiosas ou civis - nas catedrais, nas abadias, nos castelos e nas casas, há seriedade.
O gótico incentiva ao bem e à verdade porque tudo nele incentiva à luta. Nele há mais do que simples força, há combatividade. Torres, fossos, ameias, barbacãs, muralhas, tudo no castelo fala da existência do mal que é preciso combater. Na catedral, as esculturas lembram continuamenteo juízo, o inferno e o demônio tentador. Diabos arrastam para o abismo infernal os reis e até os príncipes da Igreja, e mesmo os Papas, para lembrar que todos, se não combaterem, perder-se-ão. Os torreões dos castelos falam de guerra, e as torres das catedrais lembram que a Igreja é militante. E a prudência no gótico espreita pelas seteiras e vigia pelos caminhos de ronda.
Todas as demais virtudes podem ser encontradas simbolicamente no gótico: a justiça, a caridade, a esperança e principalmente a fé, porque tudo no gótico fala de Deus e conduz a Ele.
3. Lógica
Já foi dito que o gótico é uma escolástica de pedra. Assim como no silogismo escolástico nada pode ser tirado e nada pode ser acrescentado, assim também, no silogismo arquitetônico gótico, tudo é necessário e nada é supérfluo. Pilastras, arcos-botantes, colunas e ogivas se interligam, uns elementos sustentando os outros para, no alto, exaltarem a cruz.
A fachada ou a planta de uma catedral podem ser comparadas, quanto à lógica e à clareza, com uma questão escolástica com todos os seus argumentos, os "sed contra", as soluções e as respostas aos argumentos. E a catedral é, então, uma "Suma" em pedra, tal a sua ordenação lógica.
Quanto às regras estéticas, a Idade Média não teve, desde o início, o conhecimento de todas. Mas, à medida que as conhecia, procurava escrupulosamente respeitá-las porque eram a vontade de Deus regulando a arte.
4. O Belo no gótico
Da bondade e da verdade do estilo gótico é que nascia o seu pulchrum. Belo sereno e cheio de paz, resultante da harmonia de todos os valores, da temperança com que os bens eram amados, da força consciente de si mesma na busca da justiça.
"Pureté, sérénité, majesté...", disse alguém a respeito da fachada de Notre Dame de Paris.
Pureza nas formas materiais, serenidade na alma, majestade no conjunto, tais são alguns dos valores do gótico que o tornam o mais católico dos estilos de arte já produzidos, e, por isso mesmo, o que mais fala a Deus.
O flamejante
O estilo flamejante é a expressão da decadência da alma medieval. Não querendo progredir mais no amor a Deus, o homem medieval principiou a decair, porque, ou se ama a Deus, ou se decai. O homem medieval cansou-se de buscar a Deus através da contemplação das criaturas.
Tal cansaço levou-o a buscar não mais a Deus nos valores espirituais e transcendentais, mas a procurar sua felicidade apenas nas próprias criaturas. Ele passou a buscar não o bonum mais elevado, mas o bonumnatural; o puramente agradável, de início, e depois, o prazer.
A contra curva flamejante é o símbolo dessa inflexão que levou o homem a buscar o mero prazer sensual. Outra prova disso está no amor à decoração excessiva que levou a abandonar a pureza de linhas e a lógica serena do gótico radiante.
O gótico flamejante perdeu elevação. Ele não mais buscava o céu, e sim a terra. Passa-se a preferir o gracioso ao sublime, o risonho ao sério. Como resultado, as ogivas foram se abaixando e alargando cada vez mais, até desaparecerem numa horizontalidade chapada, símbolo do apego ao terreno e da falta de impulso para o céu. As estátuas passaram a ser de pouca altura e, às vezes, sensuais. A busca intemperante do prazer levou o homem decadente do fim da Idade Média a perder equilíbrio diante da alegria e da dor. Nas catedrais surgem estátuas-caricaturas que exploram o grotesco e o ridículo.
Exagerou-se o riso e a dor. Os jazentes (gisants) - estátuas jazentes sobre as lajes tumulares -- perderam a serenidade católica diante da morte, resultante da dor e da esperança e que eram bem manifestadas nas esculturas tumulares do gótico primitivo e do gótico radiante. Dor, porque a morte é um castigo terrível. Esperança, porque é certo que haverá a ressureição.
O homem do período flamejante exagerou a dor diante da morte, porque não mais tinha a mesma esperança. E já não tinha tanta esperança, porque sua fé bruxoleava.
Apareceram, então, os "gisants" horrendos e monstruosos: corpos putrefatos, devorados por vermes, esqueletos triunfantes, cadáveres decompostos e atormentados, contorcidos nos estertores de uma morte que se pensava sem ressurreição. Portanto, sem esperança.
As figuras da morte, do juízo e do inferno tornaram-se obsessivas. Começada a era do prazer, nascia com ela o desespero.
A perda da temperança e da pureza levaria à perda da combatividade e da fortaleza. Não mais muralhas nem fossos. Não mais couraças e elmos de ferro. Paz, paz. Mais vale a astúcia e a fraude do que a luta. Sobretudo, o que vale mais para o homem intemperante é o gozo.
As couraças se adelgaçaram e enfeitaram. O penacho tornou-se mais importante que o elmo, e a exibição e a vanglória valiam mais do que a proeza.
Nas estátuas buscou-se mais o real do que o ideal. Daí o retrato que acariciava o orgulho dos doadores e benfeitotores, esculpidos ajoelhados aos pés dos altares que haviam financiado, para que o povo, rezando à Virgem, os admirasse.
O flamejante não dava o bonum de que a alma tinha sede. Logo vieram os sofismas a criar falsos verum.
Com o nominalismo do fim da Idade Média entrou a gnose, e a representação do que dizia a Fé foi substituída pelo simbolismo hermético do "trobar clus" e do "dolce stil nuovo", em cujas ambigüidades se escondia a heresia.
A cabala irrompeu nos meios cultos, pretendendo oferecer a conciliação universal de todas as crenças.
Orgulho e sensualidade foram as causas da decandência medieval. Nesses dois vícios estão as raízes do estilo flamejante, que preparou a primeira revolução na arte, o Renascimento.

montfort.org.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário