segunda-feira, outubro 26, 2009

TOLERANCIA - Parte I

Tem a ver com a nossa capacidade de aceitar uma atitude diferente daquelas que consideramos como norma. Num tempo de mudança de paradigmas, é importante saber, deve-se tolerar tudo? Pensamos que algumas vezes é necessário tolerar o que não se quer ou com o que não concordamos. Mas nem sempre a intolerância é um erro e até mesmo algumas coisas devem ser repudiadas sim. O intolerável é uma possibilidade e, em certos casos, torna-se uma virtude combatê-lo.

Há ainda aquilo que consideramos simplesmente como toleráveis, no sentido de que, apesar de desprezível e detestável, exige uma atitude de convivência pacífica. Comte-Sponville, em seu Pequeno tratado das grandes virtudes, define que “tolerar é aceitar o que poderia ser condenado, é deixar fazer o que se poderia impedir ou combater. Portanto, é renunciar a uma parte de seu poder, de sua força, de sua cólera… Assim, toleramos os caprichos de uma criança ou as posições de um adversário. Mas isso só é virtuoso se assumirmos, como se diz, se superarmos para tanto nosso próprio interesse, nosso próprio sofrimento, nossa própria impaciência”.
Tolerar, portanto, é assumir responsabilidades. Se você apenas transfere a responsabilidade para o outro, já não se trata mais de tolerância. “Tolerar o sofrimento dos outros, tolerar a injustiça de que não somos vítimas, tolerar o horror que nos poupa não é mais tolerância: é egoísmo, é indiferença (...)”, diz Comte-Sponville.
A tolerância possui seus limites, que não se trata de uma aceitação passiva da verdade ou da realidade. O que determina o limite do tolerável é a ameaça efetiva à liberdade, à paz e à sobrevivência de uma sociedade. A tolerância se limita ao campo das idéias, da opinião. No campo das ações, existe muita coisa intolerável até mesmo para o mais tolerante dos santificados. Aquilo que causa sofrimento, injustiça ou opressão ao outro precisa e deve ser combatido, nunca tolerado.
O tema da tolerância ganhou força com os protestantes, nos séculos XVI e XVII. Hoje, a tolerância está relacionada a uma cultura política liberal que trata de uma relação entre diferentes. Mas a questão precisa ir além. Um racista, por exemplo, não deve exercitar a tolerância simplesmente, mas superar o seu racismo. Não basta lutar pelos direitos das minorias, mas enfatizar os direitos fundamentais da pessoa e a dignidade do ser humano. A tolerância deve se constituir como uma espécie de sabedoria que supera o fanatismo, o dogmatismo, a intolerância, e que se manifesta como um profundo amor pela verdade. Amar a verdade é reconhecê-la tal como ela é: não existe na forma absoluta e final, mas como um saber ou um valor a caminho de se realizar.
É preciso concordar com o argumento conclusivo de Comte-Sponville: “Como a simplicidade é a virtude dos sábios e a sabedoria, dos santos, assim a tolerância é sabedoria e virtude para aqueles que – todos nós – não são nem uma coisa nem outra. Pequena virtude, mas necessária. Pequena sabedoria, mas acessível.”
Levantamos alguns pontos sobre o conceito de tolerância e suas implicações, com o desejo de contribuir para clareza nos debates e intenções de ação prática.
Primeiro. Tolerância é uma das tantas virtudes, necessárias para elevar o ser humano à condição de civilidade. Ela é parte do processo de desenvolvimento ético de indivíduos e grupos, cuja meta é levá-los a manter a "disposição firme e constante para praticar o bem". Implica em dois sentidos. “Ser virtuoso”, tanto pode ser um sujeito com disposição de praticar o bem, como também pode ser "toda pessoa que domina em alto grau a técnica de uma arte", no Dicionário Aurélio, por exemplo, ser um "virtuoso na arte de tocar violino".
Na tradição da filosofia moral, a tolerância não é exatamente considerada uma "grande virtude" ou "virtude cardinal", tal como é a justiça, a coragem, a prudência e a temperança ou moderação. Contudo, ela não deve ser posta do lado das chamadas "pequenas virtudes", como é o caso da polidez. A tolerância deve ser vista numa posição especial, de equilíbrio das virtudes, sendo mais que respeito, polidez ou piedade. Como passagem para um campo mais civilizado e menos mecânico de convivência das diferenças. Sinaliza, no entanto, que "as diferenças não devem ser apenas toleradas, porque do contrário elas se reduziriam a um sistema de guetos estanques, que se comunicariam no espaço público; deve ser uma virtude que cause interpenetração entre os diferentes" Ou seja, a tolerância deve ser um ato constante de prevenção e educação do sujeito no espaço em que se encontra.
A tolerância "é uma de sabedoria que supera o fanatismo, esse terrível amor à verdade". No fundo, sinalizamos acima, ela é uma espécie de prevenção contra o dogmatismo, para que este não vire fanatismo na dimensão pessoal, fundamentalismo na dimensão religiosa e totalitarismo na dimensão de Estado ou de Governo.
Localizada como virtude de equilibro, a tolerância é exercício necessário para se conquistar a Sabedoria. Na consideração de André Comte-Sponville, é uma virtude necessária para o exercício das coisas pequenas do dia a dia.
Nela, existe uma espécie de prontidão e atividade; "prontidão" a favor de idéias e atos de tolerância e "atividade" contra tudo que se cerceia, reprime, oprime, discrimina que não respeita as diferenças humanas, sejam étnicas, culturais, religiosas, entre outras. A democracia é um bom exemplo de exercício, ao mesmo tempo, de "prontidão" e "atividade" de tolerância, ou seja, "democracia não é fraqueza. Tolerância, não é passividade", assinala Comte-Sponville. Lembramos, que “tolerare” quer dizer “levar”, “suportar” e também “combater”

Marcilio Reginaldo
 
COMTE-SPONVILLE, A. Pequeno tratado das grandes virtudes. SP: M. Fontes, 1995.

Nenhum comentário:

Postar um comentário